Quando
se fala em “tecnologia”, ocorrem-nos habitualmente objetos com utilidade
prática – computadores, esferográficas… No entanto, aquele termo pode ser usado
em outros sentidos. Um destes é o de uma forma de raciocínio – dito mais
precisamente, “técnico” – e uma certa constituição dos conceitos como tais.
Raciocínios
da forma “Se se pretende x, e y é um meio eficaz, acessível e
melhor do que as alternativas para se obter x, faça-se y”. São raciocínios
orientados por fins, e regulados por critérios de eficiência e oportunidade.
Para o pensamento técnico, ou “instrumental”, que os implementa, conceitos como os que nomeiam aqueles objetos acima, ou hipotenusa, Portugal… não constituem representações de
parcelas da realidade, e menos ainda nomes daquilo mesmo que há a considerar
como real. Constituem antes ferramentas para a conceção do que se jogará em
cada situação problemática, em vista da resolução destas últimas. Servem, pois,
para organizar a experiência e orientar a ação.
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Prof. C. Quigley |
A sua
seleção pressupõe a utilização da ferramenta “civilização”, na sua dupla
fórmula: como modo de organização social que conta com instituições formais
(ex. do exercício dos poderes políticos), e que intervém tecnologicamente na
natureza – patente na frase “A vida civilizada contrapõe-se à vida natural ou
selvagem”. E como complexos de tais organizações, distinguidos por princípios,
valores e práticas típicas, que se designam “culturais” – patente nos nomes
“civilização Ocidental”, “civilização Sínica”… Me parece que a seleção prévia
desta ferramenta concetual se justifica, por um lado, pelo reconhecimento da
constituição de tradições que modalizam essa vida civilizada conforme
desenvolvem complexos de fatores culturais dominantes, distintos uns complexos
dos outros. Pelo outro lado, quando se verificam fenómenos interpretáveis como
sinais de turbulência, quando não mesmo já de decadência, em espaços habitados
concebíveis como tais civilizações – é o caso dos fenómenos contemporâneos acima apontados.
Uma vez
adotada essa abordagem civilizacional, podemos ponderar a utilização da
ferramenta “instrumento de expansão”. O referido historiador designa assim as
organizações sociais que cumprem três objetivos: i) incentivar a
invenção de novas maneiras de fazer as coisas; ii) acumular recursos que
possam vir a ser investidos; e iii) alocar este excedente no
desenvolvimento e implementação daquelas invenções. Quando as instituições de
uma organização social passam a visar manter-se indiferentemente de não cumprirem estes
objetivos, gera-se maior violência, piores condições de vida para a maioria da
população, e eventualmente uma decadência civilizacional (o oposto do x
pretendido na fórmula inicial).
Nesse
quadro, acrescentemos que cada país da civilização terá de desenhar (o y
naquela fórmula) instituições de segurança, justiça, económico-financeiras,
laborais, sociais e educacionais – na constituição do dito “instrumento” – que
respeitem quer os traços culturais nacionais, quer os traços culturais civilizacionais
comuns.
Entre
nós, esta ferramenta concetual afigura-se particularmente relevante logo para a
identificação e o equacionamento do desafio português face a perturbações como
as aqui consideradas. Uma vez que o nome “Portugal” designa, entre outras
coisas, um exemplo da possibilidade de uma pequena parcela de uma civilização
se distinguir tanto na inovação de um instrumento de expansão – Quigley: o
capitalismo comercial, a meados do séc. XV –, quanto na ossificação desse
último – o mercantilismo de Estado.
O
pensamento técnico é hoje, pois, particularmente oportuno na nossa governação
coletiva. Com uma identificação da missão do novo executivo, e das bancadas, no
parlamento, que se constituam como ocidentais, como a do apoio ao país em
alguma participação no novo instrumento de expansão que, esperemos, o Ocidente
será capaz de gerar neste momento histórico. Em vez de restarmos na ossificação
do instrumento com que respondemos a problemas ultrapassados.
Já a
realização dessa participação, para aquém das instituições políticas, cabe-nos
a nós nas nossas vidas familiares, profissionais, sociais…semana após semana.
in Tek notícias - Opinião, 07/08/2025