Num nível mais básico, com Don Ihde, reconhecemos
que cada utilização de alguma tecnologia marca ou determina, a jusante, os
objetos visados e, assim, o mundo intervencionado. Mas marca igualmente,
a montante da utilização, os seres humanos que a utilizam. Como abordaremos em
baixo.
Aquele filósofo americano distingue quatro
tipos dessa mediação entre o homem e o mundo pela tecnologia. A mediação em causa
na opção didática acima referida é a da quase-alteridade da tecnologia. Neste
tipo de mediação, a tecnologia apresenta-se não meramente como um instrumento
de intervenção num contexto que a ultrapassa – p. ex. uma foice utilizada na
colheita de cereais – mas ela própria quase como o outro visado pelo
utilizador. Como em videojogos em que se aplicam antigas expressões, como "jogo de futebol", agora a imagens a duas dimensões num ecrã, e ao tacto e manipulações de botões ou joystick. Estes hardware e software só não são definitivamente outros face ao agente porque se mantêm como artefactos criados e acionados intencionalmente.
Essa quase dissolução de um mundo para além da tecnologia mais imerge os utilizadores, a montante dessa utilização, nas condições desta última. Será o caso de jovens – até por se encontrarem ainda em idade de intenso desenvolvimento cognitivo, emocional, motivacional e motor – que porventura esgotem em tecnologia informática as suas estratégias de estudo. O que nos remete para o consequente nível de questionamento sobre as marcas concretas que poderão sofrer.
Entre outros, veja-se a análise do desempenho de 171.055 estudantes, ao longo de 18 anos, por Delgado, Vargas, Ackerman e
Salmerón, em Educational Research Review (25, 2018: 23-38): desde o 1º
ciclo de escolaridade até às pós-graduações superiores, a compreensão de textos
impressos é superior à de textos equivalentes em suporte digital.
Ou leia-se o recente How We Read Now
(Oxford University Press, 2021), da linguista Naomi Baron, que sustenta que,
além da compreensão, também a retenção mnésica da informação tende a ser menor
se esta for recebida digitalmente.
Cabe ao governo regional justificar a sua
decisão aos contribuintes e eleitores. Para isso, terá de, primeiro, apresentar
as análises de custo-benefício de (a) manter tecnologias de aprendizagem
eminentemente materiais e analógicas, (b) complementá-las com tecnologias
virtuais e digitais, e (c) tender a substituir as primeiras pelas segundas.
Consequentemente, apresentar a avaliação segundo a qual a conjugação dos prós e contras
da alternativa escolhida será mais satisfatória do que as conjugações dos prós
e contras de cada uma das alternativas enjeitadas.
Correio dos Açores, 01/05/2022
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