Neste ano que fechou a segunda década do século, foi apresentado mais um protótipo significativo das tecnologias da década que começou ontem. E assim também sobre o modo de ser humano e do mundo que serão intermediados por tais tecnologias.
Esses protótipos exemplificam as condições da tecnologia “acerca de nós” e
“entre nós”, que R. van Est (Instituto Rathenau) referiu no relatório IntimateTechnology – The battle for our body and behaviour, sobre a era civilizacional
que já então (2014) se abria. Respetivamente, recolhendo e facultando
informação sobre os seres humanos – como o algoritmo de reconhecimento facial
que informa se uma mulher se encontra num período fértil (o que ela própria
pode não saber). E gerindo as relações humanas mediante tecnologias. Por
exemplo, ainda recentemente o algoritmo do Facebook sobrepôs a sua seleção das
mensagens na minha cronologia dessa rede social às preferências que eu aí tinha
explicitamente determinado. Ao ponto de me restar escolher entre ser (numa
pequena parte) quem viveria as relações que ele me selecionaria, ou fechar a
página e eventualmente abrir outra, mas então escolhendo “amigos”, “likes”,
aberturas de hiperligações etc., de modo a não sugerir aquele comportamento do
algoritmo – que assim me condiciona nessas escolhas.
O referido relatório refere ainda as novas condições da tecnologia “em nós”
e “como nós”. Por exemplo, uma pequena pílula com um foco de luz, uma câmara,
um transmissor e uma bateria incorporados, que o paciente engole em
substituição de se submeter a uma endoscopia. Em 2014 preparava-se um algoritmo
que interpretasse essa informação, já então disponível para análises ao
esófago. Por outro lado, os “robôs sociais” são capazes de interpretar as
nossas emoções mediante reconhecimento facial, e de ajustar as palavras e
tonalidade dos sons que nos dirigem.
Neste novo ano, quereremos respostas para as questões éticas, políticas e
jurídicas que essa intimidade da tecnologia nos coloca. E, mais radicais, para
as questões ontológicas sobre os novos modos de ser humano e do mundo que assim
experimentaremos.
in Correio dos Açores, 03/01/2021
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