São cada vez mais os autores que dão conta do complexo de problemas que a Inteligência
Artificial, as biotecnologias etc., colocam não só à organização social,
laboral… mas ao ser humano tal como este se constitui desde o advento do Homo sapiens, e à natureza em geral. Foi
aliás por aí que comecei esta série de crónicas.
Com certeza se requerem passos em frente na resolução desses problemas, e
urgentemente. No entanto, qualquer caminhada que nasça torta tarde ou nunca se
endireita. Pelo que nestas linhas infletirei antes duas notas atrás.
Uma cartilha da resolução de problemas
“Problema”, etimologicamente, significa um obstáculo posto à frente de um
qualquer movimento ou intenção. O termo sugere que uma situação assim designada
é experimentada mediante o embaraço, a não resolubilidade de um processo em curso. A vivência de um problema será então radicalmente negativa.
Em conformidade, qualquer “formulação” positiva do problema – que o
identifica dando-lhe forma – constitui já um segundo passo problematológico. E como tal implica uma interpretação daquela
negação – arriscando, como qualquer tradução,
alguma traição ao sentido original. É
neste momento já derivado que se situam as expressões dos problemas atribuídos àquelas novas tecnologias.
Um passo consequente possível é o “equacionamento” do problema antes
formulado – analisa-se este último, decompondo-o nuns elementos que o componham
mediante certas operações, e igualiza-se (lat. aequare) o respetivo comportamento a algum valor (no sentido de
instância de uma variável), em algum parâmetro, cuja obtenção resolva assim o
conjunto. Outra possibilidade é, em consequência direta da formulação assumida
do problema, apontar intuitivamente um objetivo resolutivo. Mais os critérios
da ulterior verificação desta resolução.
A quarta etapa, normalmente constituída por diversos momentos, será
constituída pela obtenção do valor em falta para a resolução da equação – os cálculos desta resolução. Ou
pelo cumprimento do objetivo estabelecido.
No entanto, aquilo que urge alcançar não é esse último ou o valor da
variável isolada na equação, mas sim a resolução do problema vivido! Se a
equação não traduzir adequadamente o
problema, até pode ser solucionada, mas continuamos embaraçados nele. E o mesmo
vale para o cumprimento de um objetivo proposto como solução do problema. Cabe assim
avaliar, em quinto lugar, quão esse último é resolvido mediante o produto obtido pela quarta etapa, segundo os dois passos anteriores.
No caso vertente, não devemos esperar que a resolução advenha
de uma suspensão das tecnologias agora emergentes. Antes, na implementação
destas, teremos de não as pôr à frente dos processos do “homem” e da “natureza”, tanto quanto de não constituir estes outros como obstáculos de uma
“tecnologia” que carateriza o género Homo
desde a espécie Habilis.
Enfim, dispondo-se o processo problematológico em vista do quinto passo,
logo nos primeiros se deve optar pela pista que se afigure facultar uma melhor
resolução do problema. Isto é, se uma pista representar na perfeição o problema
reconhecido, mas sendo a sua resolução de tamanha dificuldade, ou custos, que os
procedimentos resolutórios consequentes não pareçam poder levar-nos a bom
porto, mais valerá uma formulação imperfeita, mas cuja mais fácil resolução ao
menos alivie o problema.
Pela racionalidade tecnológica na
resolução dos problemas abertos pela tecnologia atual
A anterior formalização problematológica, e em particular o juízo de valor
com que a concluí, constitui um apelo à implementação da chamada “racionalidade
tecnológica” (ainda que não apenas desta). Caraterizada, grosso modo, por
distinguir os meios e os fins de uma ação, dispondo os primeiros em ordem ao
cumprimento mais eficiente possível dos segundos.
Os critérios de sucesso desta racionalidade (v. Mario Bunge, “Toward a
philosophy of technology”, 1972) reportam-se a valores como a fiabilidade, a
rapidez e economia das soluções, a estandardização destas etc. Um sucesso que
frequentemente requer o emprego de teorias científicas. Mas podendo admitir
algumas que os cientistas denunciem como falsas. Designadamente, quando a
falsidade se jogue num nível de precisão superior àquele em que se obtenha a
solução prática; quando a parte falsa da teoria não tenha consequências na
aplicação pontual desta última; quando a urgência do problema não permita uma
explicitação exaustiva das variáveis e seus valores.
adaptado de: Comunidade Cultura e Arte, 02/07/2018
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