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Foto A. Barreto, in: Sorumbático |
Os jovens que hoje editam digitalmente apresentações
de excursões e passeios por esta ilha não se lembram. Mas nós, da geração acima, temos ainda a imagem das estradas regionais, ao cair da tarde, cruzadas por
homens a cavalo sobre albardas com uma ou duas bilhas de leite ao lado. Ou em
carroças, quando o número das bilhas aumentava para três ou quatro. E por
camiões-cisterna que transportavam para as fábricas o leite reunido nos postos
espalhados pela ilha. Enquanto um pouco antes, à tarde como de manhãzinha, onde
houvesse umas dezenas de vacas havia meia dúzia de trabalhadores a ordenhá-las.
Depois vieram as ordenhas mecânicas, os jipes… E os
ajuntamentos de trabalhadores passaram para as grandes obras, fossem públicas
fossem prédios de apartamentos (além já dos serviços). A produção de leite até aumentara. Mas agora
bastava um par de trabalhadores por lavoura comum.
Em menos tempo do que dura a vida profissional de um
homem, porém, ficaram construídos os portos e aeroportos, os hospitais, escolas
e pavilhões polivalentes, a habitação nova para quem decidisse viver em Ponta
Delgada em vez de usar antigas casas mais baratas em outras freguesias, e as
novas estradas entre estas e a cidade.
Os ajuntamentos passaram então para aquela produção
turística, e para os serviços em geral.
Assim, no 1º trimestre de 2017, o setor primário
(agricultura…) empregava na região 11.615 pessoas; o setor secundário
(indústria, construção…), 16.769; e os serviços, 83.798 (fonte: SREA).
Não esquecendo os 9,3% de desempregados (SREA); o
número que desconheço dos açorianos que hoje trabalham fora da região; e os 18.297
beneficiários do RSI (fonte: ISS).
O impacto
social açoriano da “primeira era da máquina”
Quem tem idade para ter na memória essa imagem
sócio-laboral das últimas três décadas e meia nestas ilhas percebe com grande
facilidade as conclusões que David Autor e Anna Salomons apresentaram na
conferência anual do BCE, no dia 19 do mês passado em Sintra, sobre o impacto
da evolução tecnológica na empregabilidade (Does productivity growth threaten employment?).
O seu grande estudo comparativo – de 28 indústrias em
19 países, entre 1970 e 2007 – vem reforçar o que fora já avançado por diversos
autores, como Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee:
Até agora nunca se verificaram as profecias de
desemprego massivo que têm sido lançadas desde que os luditas, em abril de 1812,
destruíram à marretada os novos teares mecânicos que dispensavam a mão-de-obra
dos teares tradicionais em Inglaterra. Como depois a propósito da novidade dos
eletrodomésticos, dos robôs industriais…
Antes verificou-se em geral o que observamos nestas
ilhas: de um lado, uma substituição de empregos nos setores primário e
secundário – ex. de ordenhador, por construtor, operador e mecânico da máquina
de ordenha. Do outro lado, e principalmente, uma massiva deslocação da população
ativa para o setor terciário – desde comerciante da ordenha mecânica até os
serviços de turismo, que a população, mais rica com o anterior ganho de
produtividade e com mais tempo de lazer, passou a consumir.
Duas alterações que não se fazem sem custos, nem
potenciais perdedores.
Assim, os antigos ordenhadores nem precisavam de saber
que existem formas de vida que se não veem, que se alojam nas rugas das mãos
ainda que lavadas com água, e depois infetam os tetos ou pioram a qualidade do
leite. Além de aprenderem uns poucos gestos, só (!) lhes era exigida a
resistência mental e física para os repetirem 365 dias por ano, ao sol como à
chuva, na saúde como na doença.
Compare-se com os conhecimentos e as competências
necessários à escrita de um texto informativo e apelativo sobre a paisagem
açoriana… e explicamos o número de beneficiários do RSI.
Ou seja, o desemprego, ou o subemprego, não têm sido
massivos no mundo desenvolvido. Apenas constituem o destino cada vez mais certo
dos trabalhadores menos qualificados (não confundir com menos “certificados”!).
Voltando porém aos autores acima referidos, os jovens
que aqui comecei por mencionar porventura encontrar-se-ão hoje a um passo dos
antigos ordenhadores que não concebiam os microrganismos. Desta feita, o
conhecimento em causa é a primeira lição das aulas de história: que esta não
pára, e que nunca se repetiu exatamente.
Uma lição que nos desperta para a novidade de estarmos
a introduzir a tecnologia no reduto terciário para onde se tinham deslocado os
empregos.
Uma perspetiva
social na “segunda era da máquina”
Brynjolfsson e McAfee, em The Second Machine Age (2014), assinalam a
vitória em xadrez do supercomputador e software Deep Blue sobre o campeão do mundo Gary Kasparov, em 1997, como um
marco desta nova era da máquina.
Estas últimas, desde os primeiros estudos de James
Watt sobre a máquina a vapor, em 1765, até aos computadores pessoais da última
década do séc. XX, limitaram-se a potenciar o trabalho humano – que as manipulava
– ou quando muito a executar sequências de ordens – quando passaram a ser
programáveis.
Socialmente, essa foi a era da substituição de
empregos, da deslocação destes para o setor terciário, e da perda de todos
quantos falhassem essas duas alterações.
Mas as máquinas que pontuarão no séc. XXI, além de
poderem calcular (bayesianamente) probabilidades de um número de alternativas
muito além de qualquer cérebro humano, conseguem aprender (por tentativa e
erro) – ainda que talvez não criar.
É o suficiente para já analisarem comparativamente
documentos jurídicos, escreverem pequenos textos sobre finanças, desporto… ou
por certo virem a escrevê-los sobre a paisagem açoriana – abrindo a porta do
RSI àqueles nossos jovens iniciais, muito antes da respetiva idade de reforma.
Para onde também seguirão os oncologistas a substituir pelo supercomputador e programa Watson,
da IBM como o Deep Blue, que em 2011
venceu o jogo televisivo de cultura geral Jeopardy,
e que já há uns anos é capaz de fazer diagnósticos de cancro do pulmão com 90%
de fiabilidade. Os analistas financeiros cujos estudos de mercados já são
feitos por algoritmos. Atrás dos colegas bancários destes analistas, que hoje estão
a ser substituídos pelo homebanking que ainda usa programas e máquinas (dos
PC’s aos smartphones) da primeira era destas.
Enfim, no próprio setor terciário justificar-se-á
economicamente o trabalho que se centre nas relações humanas – desde o alegre guia
turístico, ao compreensivo e empático oncologista. Bem como, ainda, quaisquer
trabalhos criativos… se é que a criação não se processa por cálculos
bayesianos, ou por eliminação por tentativa e erro.
Aos restantes trabalhadores, restará o RSI – se esta
for a decisão política. Cujo número poderá então ultrapassar não apenas os dos
empregados em qualquer dos primeiros setores económicos, como nos Açores deste
fim da primeira era da máquina. Mas sim a soma dos empregados em todos os
setores.
Ou talvez não. Essa alternativa ficará no entanto para
a próxima crónica.
in: Correio dos Açores, 12/07/2017
Uma introdução ao Watson (também no Correio dos Açores):
ResponderEliminarhttps://www.correiodosacores.info/index.php/opiniao/29685-computacao-cognitiva-meu-caro-watson