Convergência das NBIC (I): um desafio na nova metade da década

Depois de mais de 300.000 anos coletando os produtos da Natureza, há cerca de 12.000 anos deixámos de nos ajustar a esta última e passámos a ajustá-la a nós. Correspondentemente, deixámos de viver em pequenos bandos, com relações personalizadas, e criámos grandes sociedades com relações e instituições tendencial ou mesmo assumidamente formais.

Até à segunda década deste século, quando firmámos um conjunto de processos sociotécnicos que eventualmente contribuirão para uma nova era nessa história. Em particular, com esta novidade de o Homo Sapiens perder a exclusividade, para algoritmos artificiais e com vantagem destes últimos, de alguns dos procedimentos que nos têm facultado o nosso poder único. No dobrar da metade desta terceira década, com o tempo histórico aparentemente em plena aceleração, dificilmente outro conjunto de questões nos merecerá mais atenção.

Na década anterior, refiro-me a acontecimentos como o Prémio Breakthrough de 2015, que distinguiu a tecnologia CRISPR-Cas9. A qual (apesar do nome impronunciável) facilitou a edição do ADN – concretamente, a substituição de um segmento genético por outro que se julgue mais funcional ou melhor. E como, um ano depois, a vitória do programa inteligente AlphaGo sobre o campeão mundial do go – milenar jogo chinês, que colocou à IA o desafio de reconhecer e reagir a padrões, como faz a intuição humana –, contribuindo para o despertar da IA do “inverno” em que se encontrava.

nanobiotecnologias
Mas esses saltos das biotecnologias (B) e das ciências cognitivas (C, com inclusão da IA) têm podido potenciar, e ser potenciados, por desenvolvimentos entretanto em curso das nanotecnologias (N) – que produzem artefactos de dimensões da ordem de 1m. a dividir por mil milhões – e das tecnologias informáticas (I, com inclusão da robótica).

Ou seja, além das oportunidades e riscos de cada uma destas NBIC, a convergência entre elas poderá criar sinergias com resultados substancialmente diferentes do que conhecemos e fazemos desde o Neolítico.

Por exemplo, as nanobiotecnologias podem produzir biomateriais para a manufatura de pele artificial; nanorrobôs a injetar diretamente em tumores para matarem as células desses últimos; nanopartículas que se infiltrem no núcleo celular de quaisquer seres vivos e interfiram com os respetivos ADN…

As oportunidades são espantosas. Os riscos, porventura, ainda o são mais. Pela minha parte, confesso ter dificuldade sequer em imaginar o que a edição genética, nanochips para implantes intracranianos e a robótica, em convergências alavancadas por IA, poderão facultar na produção de ciborgues. O que nanopartículas como as acima referidas poderão eventualmente provocar uma vez que sejam largadas na natureza. Etc.

Tudo isso tanto nos coloca a questão ética da orientação do design, produção, utilização, manutenção e deposição de tais artefactos técnicos, quanto a questão antropológica do efeito dessas novas tecnologias no modo humano de ser. Voltarei a esta última questão na próxima oportunidade.

Entretanto, é de assinalar que esse processo complexo poderá ter expressão significativa aqui no Minho. Nomeadamente, através do INL – International Iberian Nanotechnology Laboratory. Onde, entre outras pesquisas, se trabalha a convergência entre dispositivos de nano dimensão e as interações entre a luz e sistemas biológicos. Ou, em geral, com a Estratégia de Especialização Inteligente da Eurorregião Galiza – Norte de Portugal (RIS3T). Em particular, na área de cooperação estratégica sobre a indústria 4.0 – ou IV Revolução Industrial, caraterizada pela articulação entre sistemas de produção físicos e virtuais.

Pesquisas como aquela no INL em nanobiotecnologias, e cooperações estratégicas como a RIS3T, facilmente terão tração e alavancarão o contexto produtivo do Norte do país. Caraterizado pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, na década 2011-21, pela diversidade das bases tecnológicas das principais fileiras exportadoras de bens, com maior crescimento relativo daquelas com mais incorporação tecnológica. E pela pujança que transparece no facto de o Norte ter mantido a sua balança comercial de bens com valores positivos (ao contrário do país).

Na passagem do primeiro para o segundo quartel deste século, bem parece que devemos atender às oportunidades e riscos facultados pela convergência dessas novas tecnologias.


in: Correio do Minho (ed. impressa), 02/01/2025

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