As novas armas anticarro e a ordem das determinações da ação prática


A guerra, na sua radicalidade, expressa a ação humana como talvez nenhum outro fenómeno. É o caso do impacto de uma inovação tecnológica na atual guerra na Ucrânia.

No recente artigo “Ukraine’s three-to-one advantage” (The Atlantic, março de 2022), Elliot Ackerman reflete sobre uma sua conversa com um ex-fuzileiro americano com comissões feitas no Iraque – tal como o próprio Ackerman – que tinha acabado de combater os russos na Ucrânia. Este outro militar deu-lhe conta de como a tática de intervenção no solo no Iraque, com blindados a abrirem caminho para a infantaria, não teria sucesso agora neste conflito, dado o aparecimento no cenário bélico das armas anticarro Javelin (americanas) e NLAW (britânicas). As quais anulam a vantagem dos blindados, inclusive pela manuseabilidade dessas armas.

Repete-se, assim, a forma da evolução da tática militar que se verificou quando a artilharia anulou o poder defensivo das muralhas, e a defesa territorial abdicou dos castelos; quando a metralhadora anulou o poder ofensivo das cargas de cavalaria em campo aberto, a que responderam as trincheiras; ou quando os blindados e aviões anularam o poder defensivo destas últimas, com resposta agora daquelas novas armas. A saber: ocorre uma inovação tecnológica, e ganha vantagem quem primeiro lhe ajusta a tática.

Não será, pois, a planificação racional que fixa objetivos intermédios ou táticos (os gerais continuam a ser a vitória etc.), e que em seguida lhes ajusta os processos e recursos. Ao contrário, estes últimos condicionam quer as táticas possíveis e eficientes, quer mesmo os objetivos também possíveis. Como se cada tecnologia tiver uns seus objetivos e umas suas táticas, ao invés de ser neutra em relação a estes outros.

Isso mesmo parece indiciado pela opinião expressa naquele artigo sobre as doutrinas militares russa e da NATO. A primeira, mantém-se rigidamente planificada por um comando central. De modo que a cada unidade no terreno apenas compete efetuar os movimentos prescritos pelo comando, sem sequer estar informada do sentido global desses movimentos. Pelo que a unidade se desorienta, e porventura até se desmobiliza, assim que algum imprevisto lhe impeça o cumprimento do plano.

Já a atual doutrina NATO, entretanto adotada pelas Forças Armadas ucranianas, valoriza a iniciativa e autonomia de pequenas unidades no terreno, que otimizam a utilização de novas tecnologias como as atrás referidas pela capacidade de reajustarem os respetivos movimentos às circunstâncias que verifiquem.

Esta guerra, como Ackerman salienta, ilustra ainda um fator crucial da implementação dessa tática ajustada à tecnologia: a motivação da generalidade dos agentes. A qual é incrivelmente alta nos ucranianos, e parece ser reduzida entre os russos.

Em suma, segundo casos como esse, a primeira determinação do sucesso da ação prática será a hierarquia de valores dos agentes, as emoções destes últimos e os seus princípios concetuais básicos. Em segundo lugar, as condições tecnológicas disponíveis à ação. Por fim, já não planificadora mas apenas instrumental, uma racionalidade que se ajeita a essas condições, para lhes determinar um plano de uso que faculte a satisfação dos valores mais elevados naquela hierarquia.

À atenção de racionalistas e de burocratas.


In Correio dos Açores, 03(?)/04/2022

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