O programa do PS para estas eleições enfatizou a economia do conhecimento no desenvolvimento do país. Uma ênfase explícita ou implicitamente partilhada por outros partidos. Em resposta, aliás, a desafios e oportunidades dos novos ‘loucos anos 20’ como os reconhecidos, há precisamente um ano, num grande inquérito americano sobre transformações tecnológicas, e assim sociais, para esta década.
O conceito dessa economia, porém, e depois a
implementação dela, não são simples.
Com efeito, a expressão “economia do conhecimento”
tem um duplo significado, o que lhe constitui também duas dimensões: por um lado, significa uma estrutura produtiva e
distributiva baseada nas tecnociências; por outro lado, significa os próprios
processos de produção e distribuição de conhecimentos tecnológicos e científicos.
Essas duas dimensões são autónomas, isto é, uma política económica que cuide diretamente de uma delas não cuida automaticamente da outra.
Alguma política de produção e distribuição do próprio conhecimento torna-se então necessária. Pois estes processos poucas vezes ocorrem à revelia das caraterísticas ou interesses pessoais dos intervenientes diretos, e das organizações e respetivas regras formais ou informais (“instituições”) culturais, económicas, políticas, etc. Estas últimas, precisamente, determinam essas organizações e suas regras formais em cada situação histórica, promovendo, ou não, o conhecimento tecnocientífico.
Entretanto, verifica-se algum condicionamento mútuo
entre organizações e regras de sistemas como o educativo – que forma quadros técnicos e integra institutos de pesquisa – o mercado de produtos –
onde intervêm as empresas, que também podem manter laboratórios além de
produzirem e comercializarem os resultados da investigação – o mercado de trabalho
– nomeadamente de investigadores, técnicos etc. – e o sistema financeiro. Em
conformidade, qualquer política de economia do conhecimento tem de articular os
diversos sistemas institucionais.
O que implica uma escolha dos princípios desse sistema
englobante. Nomeadamente, entre uma maior liberdade dos diversos agentes e um
maior intervencionismo do Estado.
Em particular no financiamento da produção
de conhecimento, tem-se verificado a alternativa entre financiamentos públicos
ou privados, que respeitem a autonomia dos investigadores, e a requisição de
que estes se sujeitem aos interesses políticos, comerciais etc. do governo ou
das empresas que financia(m) essas produções.
Pelo menos no capítulo “Economia 4.0”, o programa
eleitoral do próximo governo parece evoluir por essa segunda via. Com ênfase nas
fontes de financiamento público, em particular os programas europeus explicitamente
referidos, ao passo que sobre a comercialização da investigação, ou oferta desta
no mercado produtivo, o programa se queda por declarações de intenções.
À atenção das oposições: o governo deve explicitar
os objetivos desta política nesta legislatura, para se poder avaliar o
respetivo cumprimento e eventualmente se ajustar as estratégias implementadas.
No desenho destas últimas, importa acautelar a autonomia de pelo menos alguns
investigadores e designers técnicos, que faculte a respetiva criatividade. Além
da tradicional necessidade de escrutínio da gestão desses programas de
financiamento público.
adaptado de: Correio dos Açores, 06/02/2022