Faz amanhã um ano que, normalmente aos primeiros sábados de cada mês, sempre entre 495-500 palavras, aqui abordamos
as intermediações da tecnologia entre o homem e o mundo. Fazendo um ponto da
situação, esta será uma boa ocasião para abordar a questão básica que seria a
primeira, mas que foi ficando adiada: afinal, o que é a tecnologia? O que é
isso, desde as pedras lascadas do Homo Habilis até artefactos atuais como os
xenobotes, que distingue a atividade dos espécimes do género “Homo”, ou seja, a
forma humana de existir?
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C. Mitcham |
O primeiro uso desse termo será o mais comum na linguagem corrente. Mas, à entrada da indústria 4.0 – da automação com Inteligência Artificial às máquinas vivas referidas adiante – o seu sentido está a tornar-se tão menos claro quanto mais urgente é a sua clarificação.
Até à indústria 3.0, distinguíamos razoavelmente instrumentos, ferramentas e “artefactos”
(Randall Dipert). Os primeiros são quaisquer objetos disponíveis, que um agente
reconhece servirem alguma função prática. É o caso de um pau que um macaco aproveite
para enfiar num formigueiro e retirar formigas que deseja comer. As ferramentas
são objetos produzidos intencionalmente para se cumprir determinadas funções
técnicas. Enfim, os “artefactos” (nessa definição) são ferramentas
intencionalmente desenhadas de modo que as respetivas funções sejam
reconhecidas por agentes humanos normais.
Qualquer dignidade que se reconheça à Natureza só se aplicava a tudo o que, eventualmente, pode ser tomado como instrumento. Apenas (!) tínhamos de esclarecer o quê, como e em que situações podíamos tomar assim. "Artificiais", ou “nossos” em sentido possessivo pleno, só dizíamos das ferramentas e “artefactos”.
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Esq.: modelo criado por algoritmo; Dta.: organismo artificial capaz de se mover |
Os xenobotes devem então ser considerados, e tratados, como seres vivos,
como seres artificiais… ou na intersecção destas duas classes?
Se a resposta tender para essa última “natureza artificial”, onde
exatamente se traçarão as linhas divisórias acima mencionadas?
Desde estas questões até aqueles outros sentidos do termo “tecnologia”, na
relação entre esta e a sociedade não faltarão desafios nesta coluna ou em outros tantos sítios.
enviado para: Correio dos Açores, 05/06/2021