Desafios e oportunidades dos novos “loucos anos 20”

O Pew Research Center e o Imagining the Internet Center apresentaram em fevereiro os resultados do inquérito que fizeram a 915 especialistas, de diversas áreas, sobre as suas expetativas em relação à qualidade da vida humana em 2025, dadas as atuais tendências tecnológicas, especialmente as digitais, e reações à pandemia. Em geral, 47% dos inquiridos esperam que a vida seja globalmente pior para a maioria das pessoas, 39% esperam o oposto, e 14% esperam que a vida não seja muito diferente para a maioria da população.

Todavia, mais interessantes do que essas estimativas, são as identificações dos processos em curso. Pois daí ressalta o que hoje (!) devemos fazer para que precisamente, já pelo meio desta década e nos tempos seguintes, sejamos dos winners e não dos losers – em que os primeiros 86% daqueles inquiridos concordam em dividir a população à saída da pandemia.

Entre as mudanças que estão a emergir rapidamente, os peritos reconhecem: a crescente procura de dispositivos de telecomunicações, aquisição de plataformas digitais… cuja utilização condicionará progressivamente diversas interações humanas. Numa generalização do teletrabalho, ensino à distância, telemedicina, e-commerce etc. Esta interconexão digital amplifica ou maximiza tanto ações de solidariedade e inclusão, quanto as de discriminação e ostracismo.

Entre as preocupações, destacam-se: o aumento da desigualdade das condições e segurança de vida entre os capazes de usar os acima referidos sistemas digitalizados, e quem se mantém limitado às relações presenciais. Cibercrime, ciberterrorismo… e aumento das quebras de privacidade e do autoritarismo, num pecado por excesso das respostas governamentais àqueles riscos digitais. Crescente exigência das competências profissionais adequadas ao uso da automação e da Inteligência Artificial, com a exclusão laboral dos que não as desenvolverem. Probabilidade de maior controlo sobre teletrabalhadores, que serão crescentemente precários, dado o alargamento do universo dos contratáveis para esses postos de trabalho. Diminuição da racionalidade nas decisões coletivas, e da coesão social, pelo aumento da desinformação digital. Aumento de doenças mentais pela digitalização crescente da vida social.

Em troca, há esperanças de que: o recrudescimento de movimentos públicos a favor da justiça social e económica limite e mobilize os ocupantes dos órgãos políticos. O bem-estar global se possa sobrepor assim aos interesses imediatistas, locais ou privados. Com a digitalização de muitas relações, melhorem as condições do transporte físico, com menos poluição, e aumentem as oportunidades de diversos deficientes. Aumente também o acompanhamento e conforto de pessoas carenciadas, mediante tecnologias de realidade virtual ou aumentada, com capacidade de aprendizagem e domínio da linguagem natural. Sistemas artificiais inteligentes aprenderão a lidar melhor com futuras crises, nomeadamente pandémicas.

Faz agora 100 anos que o mundo então moderno, à saída de uma pandemia, assumiu definitivamente a II Revolução Industrial e a vida urbanizada cosmopolita após o colapso do velho séc. XIX na I Guerra Mundial, e acelerou nos então “loucos anos 20”. Dos quais divergiram os caminhos dos winners e dos losers nas duas, ou mesmo nas seis décadas seguintes. A história nunca se repete. Mas às vezes assemelha-se. À entrada da IV Revolução Industrial, convém atender àquele aviso.


enviado para: Correio dos Açores, 01/05/2021

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