W.G. Vincenti, “O que os engenheiros sabem” (2)

No início do ano letivo, trouxe a esta coluna o esquema dos tipos e variantes de conhecimento tecnológico proposto por Walter G. Vincenti (“‘O que os engenheiros sabem’ (1)”). Começado há pouco o segundo semestre, aqui fica uma referência às categorias cognitivas que esse autor reconheceu no cerne da produção tecnológica – desde aviões ou vacinas até software. É a aplicação destas categorias que nós contribuintes compramos ao financiar essas escolas.

i) Conceitos fundamentais – primeiramente, o princípio operacional do artefacto: o funcionamento global do artefacto que cumpre o propósito que este serve – p. ex. ordenha por vácuo em condições tão controladas quanto possível. É conforme esse princípio que o artefacto se define – ex. sala de ordenha – e que o sucesso deste último é avaliado em termos técnicos. Outro conceito fundamental é o de configuração normal do artefacto a desenhar: a disposição geral dos componentes que na comunidade técnica se reconheça cumprir melhor o princípio operacional – no caso das salas de ordenha reconhecem-se várias configurações satisfatórias. Esses conceitos são implementados normalmente no design conforme as cinco categorias seguintes.

ii) Especificações que traduzem quantitativa e detalhadamente os objetivos gerais qualitativos da utilização do artefacto. Por exemplo, os limites mínimo e máximo da depressão atmosférica a manter nas tubagens e tetinas. Essas especificações visam os critérios técnicos relevantes para cada tipo de artefacto e o seu uso. Como a necessidade do vácuo ser suficiente para forçar a abertura do esfíncter do teto, mas sem penetrar neste órgão. Esses critérios derivam frequentemente das três categorias seguintes.

iii) Ferramentas teóricas exigidas pelo design de quaisquer tecnologias minimamente sofisticadas. Como o conceito intelectual de depressão atmosférica conforme a teoria corpuscular da matéria, e as fórmulas matemáticas que explicitam o comportamento dos fluidos. Essas teorias e métodos de cálculo variam desde as puramente matemáticas sem qualquer referência física, passando por teorias que incluem estas referências, até certos números assumidos como mero expediente para alguns cálculos pontuais.

iv) Dados quantitativos que constituam valores concretos para as variáveis das fórmulas empregues – ainda no mesmo exemplo, é o caso dos comportamentos de muitos modelos de tetinas experimentadas em Moorepark (Irlanda) em circunstâncias idênticas.

v) Considerações práticas que derivam da experiência (conhecimentos “tácitos”, v. crónica acima referida). Juntamente com os conceitos fundamentais, estas considerações podem constituir a categoria cognitiva mais relevante – veja-se o caso da mecanização da ordenha açoriana na década de 1970: os designers das primeiras máquinas móveis e dos equipamentos das salas fixas de ordenha não foram engenheiros com formação teórica superior, mas mestres serralheiros que importaram para essa nova produção conhecimentos adquiridos na sua anterior prática profissional.

vi) Enfim, cada designer implementa procedimentos, formas de pensar e de ajuizar – “design instrumentalities”. São conhecimentos sobre a própria atividade do design técnico. Neste século, incluem o trabalho com I.A., Big Data…

Renovo os votos de setembro: que os estudantes e professores que tenham a sorte, e mérito, para frequentar eventuais escolas tecnocientíficas portuguesas “de 1º mundo” explorem as anteriores categorias ao nível exigido neste último. Todos ganharemos com isto.


enviado para: Correio dos Açores, 02/04/2021

O pensamento técnico e o desafio português

Quando se fala em “tecnologia”, ocorrem-nos habitualmente objetos com utilidade prática – computadores, esferográficas… No entanto, aquele t...