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Credit: LightField Studios/Shutterstock.com |
No passado dia 27 de maio, a American Chemical Society anunciou no seu site que uma equipa do
Queensland Institute of Technology (Austrália), dirigida por Prasad Yarlagadda,
testou com êxito superfícies que destroem não apenas bactérias mas também
vírus. A inspiração vem da Natureza: asas de insetos cuja forma da superfície
mata bactérias. Desenvolvendo este princípio operacional, aquela equipa
implementou um design nanométrico (bilionésimos de metro) da superfície de
alumínio que atinge também os vírus. Se bem percebi, tornando essa superfície
irregular a essa escala, bem como hidrófila, de modo que os microscópicos cursos
de água por entre tais cumes e ravinas arrastam aquelas entidades destruindo as
respetivas estruturas físicas.
Uma vez que esse material se generalize, será mais um caso de um dos quatro
tipos de mediações tecnológicas que Don Ihde distinguiu entre o homem e o mundo:
as tecnologias como o contexto (ing. background) que condiciona as
perceções e as ações humanas, imbricadas com o mundo de tal modo que mal são
percecionadas ou mesmo não o são de todo. É o caso dos sistemas de ar
condicionado, de iluminação de espaços públicos etc.
Mas, imbricado por tecnologias como aquelas novas superfícies, o mundo que
experimentamos constitui-se cada vez mais como um jogo de matrioskas. Em vez de
um mundo plano onde se desenham e constroem casas ou praças etc., o que se
passa nesse plano é explicado segundo o que se passa noutros planos ou bonecas interiores
(bem como nas bonecas englobantes do sistema solar e do cosmos). Para, a partir
deste nosso plano intermédio, redesenharmos as bonecas interiores de modo a,
neste caso, se destruir numa delas o que perturbaria a nossa vida na boneca que
habitamos.
Além desse desdobramento interior, o contexto tecnológico dessas
superfícies também contribuirá para desdobrar o plano das nossas perceções e
ações. Nomeadamente, entre a zona com pegas, corrimãos… que manipularemos com
segurança, e a zona que lhe será exterior onde em qualquer superfície poderão
estar emboscados bactérias e vírus.
No outro extremo da nossa relação com o mundo mediante tecnologias como a
que a equipa de Yarlagadda está a desenhar, também nós nos constituímos de modo
diferente de construtores daquilo que percecionamos, como praças ou casas.
Passamos a ser quem tem a capacidade de desenhar e produzir, racionalmente,
aquilo de que só mediante outros instrumentos técnicos pode ter alguma perceção
e manipular. Ou também as sociedades se desdobrarão: entre as que compreendem,
valorizam e suportam projetos como esse no Queensland Institute of Technology,
e as sociedades que se deixem ficar para trás das anteriores.
Nós e o mundo não restamos pois iguais uma vez mediados por tais
tecnologias. À atenção dos respetivos designers, produtores, reguladores e
utilizadores.
in Correio dos Açores, 06/06/2020