Na crónica anterior
referi indicadores internacionais que reconhecem uma propensão portuguesa para
a corrupção, ou para a complacência perante esta. Pelo que o combate à
corrupção começará pela influência de uma minoria sobre a maioria dos
portugueses, participando de uma nossa evolução cultural.
Esta última
ser-nos-á mais fácil se desenvolvermos comportamentos habituais, se estes forem
alargados a outros campos… do que se saltarmos para comportamentos novos (sigo
o modelo de evolução cultural que assumi no cap. 4 de Condições do Atraso do Povo Português).
Ora aquela primeira
alternativa parece facultada pela informação de 2009 reunida por Lourenço
Xavier de Carvalho em “Dez Anos de Valores em Portugal” (in: A Urgência de Educar para Valores,
disponível no Scribd). Nomeadamente, pela sobrevalorização da honestidade entre
“valores pessoais associados a competências de carácter” (p. 57), que apenas
(!) faltará alargar ao foro cívico e impessoal, onde aqueles indicadores da
corrupção implicam que esse valor será deficitário.
Cabe então
considerar os tipos de resistências que a maioria portuguesa oponha a tal
alargamento, e implementar respostas adequadas.
Como a resistência
à alteração de práticas corruptas, ainda que se as condene, por apreço aos respectivos
resultados. Será o caso do facilitismo no enriquecimento que é facultado pela
corrupção – versus a exigência imposta pela honestidade. Àqueles que têm sido
complacentes com tais práticas por este tipo de resistências poder-se-á
responder com os resultados desde a grande corrupção – em 2012, a parcela do
BPN no défice orçamental foi quatro vezes e meia maior do que o défice do
Serviço Nacional de Saúde!… – passando pela média corrupção – que faculta à
filha de um governante um lugar numa empresa pública sem qualquer concurso, que
ajeita o caderno de encargos de uma empreitada municipal à medida da empresa
onde trabalha o marido da presidente da Câmara… – até à pequena corrupção – do
defeito de que o fiscal recebe uma luva
para se esquecer, das faltas no trabalho por falsos atestados médicos… Os
complacentes facilmente reconhecerão que o barato desses facilitismos nos está
a sair caro!
No entanto pode
também erguer-se um outro tipo de resistências à mudança de práticas: o da
própria opção por algumas destas, em si mesma (não pelos resultados de tais
práticas), ter consequências favoráveis ao sujeito. Por exemplo, a identidade e
pertença social de quem se mantém integrado em grupos primários ainda que
desagradado pela corrupção destes – versus a solidão de quem se exclui desses grupos.
Afinal Xavier de Carvalho (p. 55) também apurou que o primeiro “objectivo de
vida” da maioria dos portugueses é “ter uma família sólida” – “ser honrado” vem
em 4º lugar.
Com esta hierarquia, em caso de um membro da família se revelar corrupto (ou pedófilo, etc.), entre a honestidade da condenação e a solidariedade para com as vítimas, de um lado, e o silenciamento do que possa fragmentar a família, ou enfraquecer o respectivo estatuto social, do outro lado, a maioria dos portugueses optará por este silenciamento. E o mesmo provavelmente valerá para quaisquer grupos sociais primários além da família. A estas outras resistências, que respostas se poderão avançar?
Com esta hierarquia, em caso de um membro da família se revelar corrupto (ou pedófilo, etc.), entre a honestidade da condenação e a solidariedade para com as vítimas, de um lado, e o silenciamento do que possa fragmentar a família, ou enfraquecer o respectivo estatuto social, do outro lado, a maioria dos portugueses optará por este silenciamento. E o mesmo provavelmente valerá para quaisquer grupos sociais primários além da família. A estas outras resistências, que respostas se poderão avançar?
Dir-se-á que a
honra, a honestidade, implicam que nos disponhamos em ordem a algo que ultrapassa
o que nos é mais imediato… Sim, mas concretamente o quê? E como se poderá
sugeri-lo com eficácia?
Versão original in: Açoriano Oriental, 15/05/2013
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